Deveras auspicioso o movimento renovador que se vem operando em Minas, no que se refere à pesquisa histórica. Documentos vêm sendo rebuscados e muitas lendas, aos poucos, vão sendo colocadas em seu devido lugar. Temos um exemplo na História da fundação de São João del Rei.
Em quase tôdas as publicações oficiais, ainda se vê o nome de Tomé Pôrtes del Rei, como seu fundador.
Ora, Tomé Pôrtes foi, sem dúvida, dos primeiros moradores da região; Cláudio Manoel da Costa dá-o como o descobridor do Rio das Mortes: “O Rio das Mortes, que os paulistas e viandantes das mais partes atravessavam frequentemente, nos primeiros tempos, por distar de Ouro Preto pouco mais de cinco dias de jornada, foi descoberto por Tomé Pôrtes del Rei, natural de Taubaté, muitos anos depois do descobrimento das primeiras povoações”.
Num dos livros do arquivo da Câmara Municipal de Taubaté, lê-se que foi êle o descobridor do rio Grande e quem lhe deu este nome. Mas, quanto à fundação de São João del Rei, não, pois que o arraial de que se originou a vila é posterior à morte de Tomé Pôrtes. Muita luz vem sendo aberta, hoje, em vários assuntos, graças ao conhecimento das memórias dirigidas ao Pe. Diogo Soares, singular homem de Deus, a quem muito devem os historiadores. A todos os pioneiros do desbravamento das minas, dirigia-se o Pe. Diogo Soares, pedindo um relato sobre entradas e sobre descobrimentos. E são essas memórias que muito nos esclarecem hoje. Extraordinária realmente a previdência desse sacerdote e dos que promoveram sua missão no Brasil: convictos de que aquela geração estava criando a História, trataram de providenciar o registro dos fatos para a posteridade; e esta, ingrata, nem sempre é capaz de conservar essa documentação.
Em 1961, um jovem sanjoanense, Fábio Nelson Guimarães, publicou a “Fundação Histórica de São João del Rei”, tendo-se baseado, para escrever a história da fundação do arraial, numa das memórias dirigidas ao Pe. Diogo Soares, pelo capitão Matol. Na sua exposição, narra Matol que Tomé Pôrtes del Rei, em 1702, descobriu ouro no sítio onde se localiza hoje a cidade de Tiradentes, constituindo-se, ali, um arraial, com capela dedicada a S. Antônio. Tomé Pôrtes faleceu pouco depois. Pouco proveito terá obtido de seu descoberto. No rio das Mortes, o ouro foi descoberto depois de seu falecimento. Eis como Matol, na sua exposição, relata o fato: “No ano de 1704, com pouca diferença, morando sôbre o rio das Mortes, desta parte, aonde é e foi sempre o pôrto da passagem, Antônio Garcia da Cunha, taubatea-no, que por morte do dito Tomé Pôrtes, seu sogro, sucedeu em guarda-mor, para a repartição das terras minerais, assistia, na sua vizinhança um Lourenço da Costa, natural de São Paulo, que servia ao dito Antônio Garcia de seu escrivão de datas, êste descobriu o ribeiro que corre por detrás das morros desta vila de São João para a parte do noroeste e foi repartido entre várias pessoas…”
Esta exposição coincide exatamente com a de outro documento do Códice Matoso (Relatos Sertanistas, págs. 75/80). O autor é anônimo. Mas o intróito não deixa dúvida quanto à sua sinceridade: “Protesto que no que nesta escrita falar, não é minha vontade ofender a Deus”. Pois bem, eis um trecho interessante de sua exposição: “Eu fiz quatro viagens a estas minas, em que gastei alguns três anos, pela dificuldade do caminho, e vim a ficar cá, em 1702, e, em todo êsse tempo, não se presumia haver ouro no rio das Mortes, só, sim, aí, um paulista por nome Tomé Pôrtes que vendia mantimentos aos passageiros e era o senhor da canoa da passagem e depois que suas amas e pagens o mataram, se descobriu ouro com grandeza”. Pela narração de Matol, sabe-se que, imediatamente após o descobrimento do ouro, repetiu-se o “rush” que antes se verificara nas minas gerais; e formou-se o arraial, ao pé do morro, “pela paragem que está da matriz até o mesmo morro, com uma capela dedicada a Nossa Senhora do Pilar”. Explica ainda Matol que o arraial ficou com o nome de “Arraial Nôvo de Nossa Senhora do Pilar”, em razão do “arraial de Santo Antônio ser primeiro, pelo que ficou sendo arraial velho”. Cresceu o arraial e desenvolveu-se com rapidez.
Foi a região onde, ao lado da mineração, mais se incrementou a agricultura, que já existia anteriormente à exploração do ouro. O comércio tomou impulso, pois, desde logo, foi a região do Rio das Mortes o celeiro de mantimentos para as minas gerais. São João del Rei constituiu, é bom que se diga, um perfeito desmentido à tese do Mestre Oliveira Viana, quando pontifica, generalizando o caso das primeiras vilas criadas no litoral: “Em nosso povo, a organização política dos núcleos locais, feitoria ou arraial, não é posterior ou mesmo concomitante à sua organização social.
É-lhes anterior. Nasce-lhes a população já debaixo das prescrições administrativas” (Populações Meridionais do Brasil). Pura fantasia do Mestre, resultado dêsse mau hábito de generalizar. Em São João del Rei, a vila só foi criada, depois que ali, no arraial, já havia uma população densa, com duas igre-jas, duas irmandades religiosas, a dos pretos e a dos brancos: a Confraria de Nossa Senhora do Rosário data de 1708; e a Irmandade do Santíssimo Sacramento teve sua aprovação canônica em 1711. No arraial esteve, em 1709, o governador D. Fernando de Lencastre, que se hospedou na melhor casa de então, a de Ambrósio Caldeira Brant. Um cronista da época, José Alvares de Oliveira, informa que depois de quatro dias de permanência no arraial, pediu o governador ao vigário transmitisse ao povo seus agradecimentos pelos muitos obséquios de que fôra alvo, por parte dêsse mesmo povo. O têrmo usado é “povo” mesmo. O Arraial Nôvo era, pois, uma comunidade com suas lutas, seus problemas, comunidade que tomou parte ativa e séria na guerra dos emboabas. No arraial estêve, pouco depois, outro governador, D. Antônio de Albuquerque, ainda no período da guerra dos emboabas. E os moradores, se eram atre-vidos e aventureiros, como em geral os exploradores de ouro da época, eram, convém lembrar, em grande parte, constituídos de casais com numerosa prole. É o genealogista Samuel Soares de Almeida que nos informa: casais de mogianos, casais de jacareienses, de taubateanos (os mais numerosos) pindamonhagabaenses, .guaratinguetaenses, paulistanos, e mais casais de Itu, de Santos, de Iguapé, alguns dêles com filhas casadas, acompanhadas de seus maridos. Do Arraial Nôvo partiu, em 1711, refôrço valioso para socorrer o Rio de Janeiro, contra os franceses (Rev. A.P.M., IV, 813). O arraial deve ter-se iniciado por volta de 1704; e só em 1713 surgiu a vila, com seus oficiais e seus ministros. O mais •curioso é que a vila foi criada, não no arraial mesmo, mas em local diferente, um pouco distante.
O pelourinho foi plantado num lugar escolhido pelo governador Dom Brás Baltasar da Silveira, na “Chapada do morro que fica da outra parte do córrego, para a parte do nascente do dito arraial, por ser o sítio mais capaz e conveniente para se continuar a dita vila, a qual êle dito Mestre de Campo General Governador e Capitão-General apelidou com o nome de São João del Rei…” No auto do levantamento da vila, cujo original infelizmente desapareceu (No Códice 6, do Arquivo Público Mineiro, onde estão os autos de levantamento das vilas anteriores e de algumas posteriores a 1713, foram arrancadas as fôlhas 28, 29, 30 e 31…), consta que aos oito de dezembro de 1713, “neste arraial do Rio das Mortes, onde veio por ordem de S. Majestade, que Deus guarde, Dom Brás Baltasar da Silveira… o criou em vila, com tôdas as solenidades necessárias, levantando o pelourinho no lugar que escolheu para a dita vila… a saber, na Chapada do mor-ro que fica da outra parte do córrego, para a parte do nascente do dito arraial, por ser o sítio mais capaz e conveniente para se continuar a dita vila, a qual êle dito Mestre de Campo General e Governador e Capitão-General apelidou com o nome de São João del Rei e mandou que com êste título fôsse de todo nomeada, em memória do nome de El-Rei Nosso Senhor, por ser a primeira vila que nestas Minas êle, dito governador e Capitão-General, levanta…” (Efemérifes Mineiras). O documento acima acrescenta que o lugar do pelourinho foi escolhido “a contento e com aprovação dos moradores”. Precisamos aprender a ler os documentos oficiais com as devidas cautelas, ensinava o Mestre Taunay.
A verdade é que foi levantado o pelourinho, no local indicado pelo governador para centro da vila… e o arraial continuou onde estava. A situação tornava-se rídicula, principalmente para o Capitão-General. Daí, o bando de 15 de abril de 1714, publicado ao som de tambores, no qual o governador ordenava que “tôdas as pessoas que assistem no arraial novo se mudem para a parte que destinou para a fundação da vila, dentro de um ano, com cominação de que as que não obedecerem serão castigadas ao arbítrio de S. Exq. (Cód. 9, S.G., fl. 23, A.P.M.). Com tal determinação, surgiu logo a vila de São João del Rei, no devido lugar, vila que se tornou, com o correr dos tempos, um centro comercial de importância, centro artístico de relêvo, cenário onde se registraram páginas das mais gloriosas de nossa história. Ainda recentemente, foi da cidade de São João del Rei que partiu um brado de protesto contra o desvirtuamento que se vem operando nas já tradicionais comemorações do dia 21 de abril. E ali, pela primei-ra vez no Brasil, e com raro brilhantismo cívico, realizou-se a comemoração da data do nascimento de Tiradentes, comemoração que já se tornou tradição.
São João del Rei foi a segunda localidade de Minas a ter imprensa. O “Astro de Minas” (20-novembro-1827), fundado e redigido por Batista Caetano de Almeida, foi o 29 periódico a circular em Minas. Logo depois, teve outro jornal, “O Amigo da Verdade”. Seguiram-se outros: “A Constituição em Triunfo” (1830), “Constitucional Mineiro”, “Mentor das Brasileiras” etc. São João del Rei teve os foros de cidade com a lei n° 93, de 6 de março de 1838. Um pequeno comentário a respeito de suas igrejas: a de São Gonçalo Garcia não é obra de arte, como as outras; foi erigida por provisão de 24 de novembro de 1772. Para descrição das quatro igrejas mais antigas de São João, o Catedral de N. S9 do Pilar, a de São Francisco de Assis, a de N. S9 do Carmo e a de N. S9 do Rosário, vamos valer-nos do livro “Igrejas de São João del Rei”, de Luís de Melo Alvarenga.
A Catedral de N. S9 do Pilar tem a fachada de pedra revestida de argamassa. Há altares de N. S. dos Passos, de N. S9 da Conceição, N. S9 do Rosário, Santana, S. Miguel e Almas, N. S9 da Boa Morte. A capela-mor “é uma jóia de arte. Foi há poucos anos (1957/1958) restabelecida em sua primitiva pintura, pela Diretoria do Patrimônio Nacional”. “O arquivo paroquial é precioso pelos assentos existentes em seus livros. Faltam poucos volumes. Estava completamente desleixado, mas agora está todo restaurado e conservado, devido ao zélo e cuidado do grande organizador, Cônego Almir de Resende Aquino”. A primitiva matriz foi destruída por incêndio; a provisão para construir a atual Catedral data de 12 de setembro de 1721; Luís de Melo Alvarenga calcula estivesse terminada em 1750.
A igreja de São Francisco de Assis representa notável obra de arte, pelo trabalho em pedra e madeira, “por seu risco original, em linhas curvas, formando um conjunto harmonioso”. “E uma epopéia de pedra” (Aureliano Pimentel). A fachada representa extraordinário trabalho de pedra que, de fato, impressiona. “Muitos querem que Antônio Francisco Lisboa — O Aleijadinho — tenha trabalhado no templo ou pelo menos que os trabalhos mais mimosos e artísticos a êle pertençam. Pensamos não ser isso verdade, porque até hoje não conseguimos ler um documento que confirme esta hipótese. Ao contrário, temos documentos em favor de Francisco de Lima Cerqueira” (obra mencionada, pág. 41).
No Livro de Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade, com data de 1824, lê-se, a respeito da igreja de S. Francisco: “com bom risco, por acabar”. A primeira capela de N. S9 do Carmo foi benta em 20 de dezembro de 1734. A atual foi iniciada em 1787, e teve como diretor de obras e seu artífice o mestre português Francisco de Lima Cerqueira. “A portada é uma obra de arte esculpida em esteatita, e de apurado gôsto, com ornatos que se distribuem harmônicamente por tôda a sua estrutura”. Quanto à igreja de Nossa Senhora do Rosário, é “a mais antiga construção religiosa da cidade”, pois foi “a primeira igreja ou capela pública definitiva edificada ao lado esquerdo do córrego do Lenheiro”. (ob. cit., 57). A primitiva capela foi benta em 1719; e tomou as dimensões atuais, em 1753. Digno de nota, em São João del Rei, é o Museu criado e mantido pelo S.P.H.A.N., que mantém o único arquivo organizado que conhecemos em Minas.
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